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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

II DIÁRIO do REGRESSO


20.08.2010 - Como disse antes, a entrada e saída de Dakar está bastante mais simples. Aliás, após a nova circunvalação a Dakar há já um troço de Auto-estrada até Pikine (feito pela MSF). A nossa direcção é o Lago Rosa. Há sempre alguém que não foi e que se esgadanha se não for.
Chegados ao Lake Rose contornamo-lo pela esquerda, passamos as salinas e fomos para as praias da parte sudoeste – Les Chevaux du Lac onde quem quiser dar um passeio a cavalo nas praias pode alugar um. As praias deste lado são magníficas com o seu palmeiral e uma imensidão de areal para “dar calor”. Não tardou estávamos na praia e os mais calorentos logo se fizeram ao oceano. Como sempre, vindos do nada, lá estão os vendedores de artesanato. São preciosos em caso de atascansos. Mais uma vez, momentos bem passados nos areais sobranceiros ao mítico Lake Rose.



Avançamos para St. Louis onde tínhamos planeado pernoitar mas como a estrada “rendeu” decidimos avançar para Nouakchott pelo que, à entrada de St. Louis viramos logo para a fronteira de Diama (aberta das 08-22h mas há que confirmar sempre porque em África o que hoje é verdade…). Chegados fomos à Alfandega e lá estavam os “fardas” nosso amigos da ida. Entregamos os passavants e dirigimo-nos à policia. Aguardem um pouco… entretanto chega um sujeito que começa a falar em árabe com o “fardas” e este dirige-se a nós dizendo: “ Não podem avançar. A pista de Diama está inundada por causa das chuvas”. Bom…. Mas… nem mas nem meio mas… Lá fomos recuperar os passavants e voltamos a St. Louis para o Hotel La Poste (parecia o filme do ano passado em que tivemos que voltar para trás por falta de visto e era o feriado da independência). Como não havia certeza de que a pista estaria transitável no dia seguinte e porque tudo queria “testar” o famoso inferno da fronteira de Rosso planeamos ir por lá. Quando nos dirigíamos a St. Louis recebemos um SMS do Tomás que tinha subido pela Rota da Esperança: por causa do Ramadão a fronteira do lado de Marrocos fecha às 15h (habitualmente aberta até às 18h). Ninguém queria acreditar. Isso significava que nunca conseguiríamos passar a fronteira da Mauritânia com Marrocos no dia seguinte. Agora sim foi dramática a cena Diama inundada. Um dia ao ar.
Chegamos ao La Poste que fechava no dia seguinte para obras…



21.08.2010 - Despertamos às 6,00h e quando nos dirigíamos para o pequeno-almoço já soávamos. É muita humidade. Nem a noite refresca. Decidimos ir pela fronteira de Rosso – ferry para atravessar o Rio Senegal – dada a incerteza de Diama. Como choveu no início da noite podia continuar inundada. São 100 kms para a fronteira e queremos estar lá na primeira hora, ou seja, às 8,00h. Há quatro “ferries” por dia. Dois de manhã e outro à tarde. Alguém fica do lado de cá. Chegados logo concluímos que o stress de Rosso não é só fama. A quantidade de meliantes a melgar os estrangeiros é superior aos insectos autóctones. Envolvem-nos dando ar de “despachantes oficiais”. Na verdade andam ali “pendurados” nos incautos informando (ou desinformando) os incautos. Se consegues escapar de um logo outro aparece e, afinal, pertencem todos ao mesmo. O primeiro guichet de alfândega a que nos dirigimos ficou logo com o passavant dos carros sem registar no passaporte a saída, o que muito nos intrigou. Responderam que tal seria efectuado no posto de alfândega da fronteira (este primeiro guichet fica a uns 500 metros do restante complexo fronteiriço. Siga para a Polícia Nacional para carimbar a saída no passaporte, isto já em “parque fechado” – abre-se um portão metálico e entramos para a zona do porto fronteiriço onde tudo se processa. São CFA 1000 pelo estacionamento para a comunidade de Rosso. A partir daqui um dos “meliantes” nunca mais nos largou. Nomeou-se voluntário para nos “desalfandegar”. Como já sabemos “o que a casa gasta” logo lhe dissemos que os seus “fees” seriam CFA 1.000 por carro e que afastasse os restantes “colaboradores” que nos infernizavam, ao que ele acedeu e conseguiu afastar ligeiramente os “assessores”. Leva-nos à Polícia de Fronteira e diz que se tem que pagar CFA 3.000 por carro. Puxa de dinheiro dele e entrega ao “fardas” que está do outro lado do guichet. Então e o recibo? Não há recibo. Ninguém passa recibo. É evidente o compadrio entre fardados e não fardados. Siga para a Alfandega. Cada carro mais CFA 5.000. Andavam por lá uns selos que ora entregavam ora se esqueciam. Faz muito calor. Está muito calor. Who cares?
Faltaram-nos moeda e só tínhamos notas grandes de euro. Diziam-nos também que do outro lado precisávamos de “ogivas” (ouguyas) para pagar o ferry e demarches mauritanas. O meliante staff também tem cambista. No problem. Melhor, a taxa de câmbio aceite foi a proposta por nós, ou seja, a que habitualmente usávamos. Para entrar no ferry? Para entrar no ferry há que dar uma gorja ao “porteiro”. Mas fomos os primeiros a chegar. Pois fostes. Mas vêem aqueles ali? Passaram cá a noite. Não há hipótese. Quatro ferries por dia que levam uns dez carros cada um… o próximo é só às 11,00h. Às 11 lá teremos que pagar também… não queremos ficar do lado de cá. Já bastou ontem. O nosso “despachante” lá foi tratar da nossa vida. Lá lhe demos uma nota de € 5 e outra de 2000 “ogivas” para o “porteiro”, ou seja, para a comunidade. Pelo menos entramos logo no ferry. Vá lá. É tamanha a confusão que não dá para perceber quais, de todos os carros e furgões que se encontram aparcados, aguardam para entrar no ferry ou estão simplesmente estacionados. Finalmente pagamos 1000 “ogivas” ao nosso “despachante” que, no fundo, até foi eficiente. Somados os valores Diama não ficaria mais barata. Havia, contudo, o lado mauritano de Rosso. O ferry arranca. Bye, bye Senegal, até à próxima. Próxima batalha: o Rosso mauritano. Um dos meliantes fez questão de nos acompanhar na travessia. Começo a ficar saturado de os aturar. Passei a pasta ao Fredy. A Mauritânia é tua.
Do outro lado paga-se o ferry: 5.000 “ogivas”. Comuna de Rosso mauritano: 2.000. Carimbo nos passaportes: 3.500. Fotocópias (vá lá saber-se para quê): 500. Alfandega 4.000. Pouca vergonha. Taxa do “meliante desalfandegador” 1.000.
Chegamos a Rosso/Senegal às 8h. São 10.30h e estamos a franquear a saída dos portões fronteiriços de Rosso/Mauritânia. Nada mau para África com rio e tudo.
Hoje é a monotonia do deserto intercaladas por paisagens com magníficas dunas ora douradas, ora avermelhadas ora mais rosadas. As dunas convidam a sair do “goudron” para desfrutar das suas formas, subidas e descidas… A planura está “semeada” de pequenos povoados de haimas e barracas em madeira muito rudimentares: de quem não está ali para ficar. Até Nouadhibou, onde vamos pernoitar, é deserto e deserto e mais deserto. Sonolento, calorento, convêm não deixar cair a pestana.
Às 13h estamos a entrar em Nouakchot. O trânsito é caótico (redundância em cidades africanas). O sinaleiro dá em doido e parece um presunto fumado tal é a poluição. Não sabe como resolver tamanho novelo.
Vamos ficar a Nouadhibou porque os Srs. Marroquinos da fronteira, decidiram fechar a dita às 15h durante o Ramadão. Ponto.



A seca é que Nouadhibou, tal como Dakhla, fica na ponta de uma península, desta com quarenta quilómetros. É um ir e voltar. Tão só a única cidade (e povoação) próxima da fronteira. Ok, também se fica a conhecer. A incerteza das fronteiras africanas onde há sempre novidades, convida a chegar à primeira hora. Melhor não se pode fazer.
Mais ao menos a meio do percurso (Km 245) há uma “estação de serviço” com bar e restaurante. O Patrol está a dar-se mal com o alto nível do gasóleo. Ontem e hoje queixa-se de água no combustível. Engasga aos 80kms/h. Purga-se o filtro do gasóleo e logo marcha. Chegamos a Nouadhibou ao final do dia, demos uma volta à cidadela e encostamos no Hotel Al Jazeera com bom aspecto exterior, um enorme parque de estacionamento já dentro de muros e também com uns “bungalows”. Fizemos um jantar expresso e toca a dormir. Começava a sentir-se o peso dos quilómetros e, no dia seguinte, muito mais deserto havia para percorrer: o alargado reino de Marrocos com o Sahara Ocidental e, claro, mais uma aventura fronteiriça. Durante a noite alguém foi à grade do tejadilho do Patrol e roubou um saco com vários géneros. Como o hotel vinha referenciado no Lonely Planet o Miguel decidiu participar a ocorrência aquela editora já que os responsáveis do hotel fizeram ouvidos moucos.



22.08.2010 Deixamos Nouadhibou às 8.30h. Tínhamos 45 kms à fronteira e queríamos “abri-la”. Percorremos mais uma vez a península com magníficas paisagens de escarpa e mar. O que vale é que a cada fronteira vamos ficando mais razoáveis com as delongas, duplicação de procedimentos, filas, esquecimentos, encerrou porque sim, o responsável saiu e já volta ou ainda não chegou, … venha a próxima.Do lado mauritano dispensaram-nos da revista. Menos mal. Correu tudo rapidinho. Adeus Mauritânia. Até um dia. Atravessamos o hiato fronteiriço e segue-se a entrada em Marrocos. Há novidades: colocaram um scanner de veículos na fronteira. Antes disso: polícia, mais polícia, mais alfandega. Como havia uma hora que o Fred tinha deixado o guichet do scanner e não aparecia, fui ver o que se passava. Dou com ele sentado numa cadeira, em frente a uma mesa que servia de secretária com um “fardas” a despachar. Então? O “fardas” que estava a despachar não era o que lhe tinha calhado em rifa. Esse, coitado, era diabético e tinha ido tomar insulina. Não digas que o Ramadão lhe deu para a fraqueza e teve que aumentar a dose. Estes, por certo, têm dispensa de jejum ou passam mal. Entretanto, aguardamos também a vez do scanner. Só que os camiões que vem em sentido contrário ao nosso, colaram de tal forma que, deste lado, ninguém entra. São horas de fastio. Nada anda. Começa a bronca. Era já final da manhã quando o nosso lado começou a aviar. Com estas e com outras se passa uma manhã. Haja calma e descontracção. Nunca pior. Ali ao lado, uns desgraçados numa Ford Transit com matrícula marroquina desesperavam muito mais. Para além de uma boa meia dúzia de pessoas, o possante veículo pouco ar tinha no seu interior. No tejadilho, outro volume igual ao de baixo. Ou seja, duas em uma. No “andar de cima”, entre muitas outras coisas, viajavam duas scooters. O resto, eram fardos e mais fardos, embrulhos e mais embrulhos. Aparece o primeiro “fardas”. Siga para o scanner. Passado scanner ordens para revistar. Toca a descarregar. Tudo cá para fora e tudo cá para baixo. Saia a bagagem do interior e do tejadilho do furgão. Deixaram as scooters. Não senhor, scooters também cá para baixo. O estendal ficou ali no chão uma hora garantida. Vem outro “fardas” que decidiu deixar a cadeira e a sombra. A vontade é nenhuma. Dá uma vista de olhas, apalpa uns fardos, esvazia outros, podem voltar a carregar. Começaram as manobras de acomodação da carga que começou por fazer subir novamente as scooters. Chega o primeiro “fardas”. Quem vos mandou carregar? Ai, ia, ai, ai. Toca a descarregar tudo novamente. Metia dó. Vá lá que o calor não era exagerado pese embora a uma da tarde. Nova revista. O “fardas” saca do canivete, corta as amarras e começa a “aliviar” o primeiro fardo. Só saem panos. Deixa ficar tudo no chão e dirige-se a outro carro para revista. Tarefa concluída, volta à Transit. Passado um bocado novo interregno. Regressa e conclui a revista. É a vez do “fardas” de quatro patas. Chega o cão farejador e começa a sua labuta. Trabalho finalizado regressa à casota. A tralha permanece toda pelo chão.Enquanto se aguarda, carga, viaturas e pessoas ficam impregnadas da areia finíssima que anda no ar empurrada ora por vento constante ora por fortes rajadas. O nosso vizinho de fila começa a desesperar e não larga a buzina. Bem que valeram as buzinadelas. O nosso lado começa a ganhar vez. O Patrol entra no scanner. Acabada a operação recebe guia de marcha para revista manual. Desesperante. Quando vierem para estas bandas venham com tempo e pachorra. Não vale a pena apressar. Pelo contrário, pode piorar.Chegamos à fronteira marroquina, eram 10h15m. Estamos a sair. São 14h30m. Os da Transit ainda por cá ficam. Conduzimos até ao Bojador e ficamos no hotel onde tínhamos dormido à vinda.



23.08.2010 Acordamos com a ideia de "fazer" o máximo de quilómetros possível e hoje não há fronteiras para atrasar o andamento. Saimos pelas 06h e às 09h15m passamos Tah, localidade "fronteira" do território sarauí com o território marroquino. Tinhamos percorrido 250kms. Pelas 12h chegavamos a TanTan com 500 kms rodados.
Como saimos muito cedo não tomamos pequeno almoço e a fome começa a apertar. Queremos comer qualquer coisa mas não há nada aberto. É o mês do Ramadão. As portas dos bares e restaurantes estão todas "em jejum". Sendo a ideia andar o mais possível colocamos de parte "desmontar a nossa cozinha". Lá seguimos com um bolo, uma banana e umas bolachas...
À entrada do Anti-Atlas, logo após Bouizarkane, fomos "carimbados" pela polícia. É a segunda vez. A primeira foi à saida de TanTan,
Em estrada de montanhas temos que abrandar a marcha. Vimos sem calços de travões traseiros desde Dakar. Ainda bem que a ligação por auto estrada ente Agadir e Marraquexe já está aberta, Temos auto estrada até Ceuta.
 
24.08.2010 Exaustos, paramos no parque de uma área de serviço à 01h para dormir um pouco. Tinhamos andado 1.500kms. O Miguel como não conseguia dormir no carro seguiu para Ceuta, com o Diogo. Eu e o Frederico já tinhamos a tenda de tejadilho aberta decidimos ficar a descansar. Pelas 04h30 um barulho de martelar incessante. Mesmo ao nosso lado um camião rodeado por meia dúzia de "mecãnicos" parecia mudar um pneu. A verdade é que os movimentos e o ruido que faziam era mais de desmantelarem o veículo do que mudar um mísero pneu. Martelavam como condenados mas palravam como feirantes. Não nos acordaram só a nós mas a todo o parque. Não havia condições para dormir. Com o cansaço que levavamos e quando ainda passavamos pelas brazas, levar com aquele ruido insurdecedor de uma marreta a malhar em metal mesmo ao nosso lado foi extenuante. Acordamos quais zombies com vontade de lhes ferrar... mas eram muitos e evidenciavam estar a fazer a coisa mais normal do mundo. Afinal ali não era propriamente um local para pernoitar. Era o parque para automóveis da área de serviço.
Meios rodilhas verificamos que tinhamos uma sms do Diogo - estavam em Ceuta e tinham passagens para o ferry das 07h.
Levantamos arraial e rumamos a Ceuta com o objetivo de conseguirmos apanhar o mesmo ferry que eles, o que conseguimos à justa.
Uma hora depois pisavamos Algeciras. Estavamos em solo europeu.
Pequeno almoço e reforçado à saida de Algeceiras e daí o trajeto do costume.
O Diogo voltou para o Toyota pois o Miguel despedia-se e seguia para Lisboa. Até já grande Miguel. Foi um prazer conhecer-te e fazer contigo este raid.
Uns quilómetros à frente, logo após Portalegre, foi a vez de deixar o Diogo na Herdade da Almojanda de onde uns dias antes o tinhamos recolhido.
Fiquei eu e o Frederico que seguimos para Ourém onde deixei o meu carro.
Mais um inté ao Frederico, pegar no carro e sigo até à Povoa de Varzim.
Chegado à Povoa de Varzim findou o Raid ao Burkina Faso 2010.
Uma nota: na estrada que liga Ourém à A1 desejei voltar ao transito de África.
  

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