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terça-feira, 7 de setembro de 2010

I DIÁRIO do REGRESSO


16.08.2010 - A vontade de seguir para sul é tanta que fizemos 10 kms da estrada que nos levaria a Abidjan. Voltamos para trás para noroeste. O nosso próximo destino é Dakar. Vamos por Bamako, via Sikasso, pela fronteira de Koloko (Burkina) e Heremakono (Mali). Cruzamos uma paisagem com árvores que têm uma flor igual ao nosso maio. Nas fronteiras o habitual – comissaria, policia nacional e alfandega. Habitual jogo de cintura “fardas” e “turista”. O fardas depois de dar a volta ao material de segurança obrigatório da viatura e não ter por onde pegar começou a implicar com a fotografia da carta de condução do Miguel que estava desbotada por humidade – insistia que não conseguia confirmar a cara com a careta. Na aduana do Mali o habitual ballet do passavant. O Miguel vai buscar o passavant que devia ter entregue à saída, em Koro. Começa o teatro. O Miguel começa a suar com ar de assustado. Afinal tinha cometido uma infracção. O carro ia entrar no Mali sem ter saído. Valeu um fardas fixe e outro que era fan do Luis Figo. Com 2 x CFA 5000 lá sacamos os passavant em ambiente de camaradagem. Logo à frente uma portagem regional. Vá lá: as “Scuts” do Mali até são fixes.
As Toyota Hiace estão “licenciadas” para vinte passageiros…
Chegamos a Bamako em hora de ponta entramos pela “circunvalação” junto ao rio. Com um quarteirão ou outro a mais lá chegamos ao Hotel Tamana que escolhemos por ser na zona lúdica da cidade e recomendado pelo Lonely Planet. Estávamos animados para ir para a “night”. O Hotel é fixe, étnico, bom preço para uma capital (CFA 25.000 duplo a.p.a), bem localizado, gente simpática, um jardim/bosque com piscina e comida boa e com Wi-fi. Jantamos no hotel. Depois de jantar fomos dar uma volta aos arredores repleto de bares e restaurantes. Era muito cedo. A noite ainda vinha longe e o cansaço era muito. Recolhemos sem ir para a night. O Ibiza Club mesmo ali ao lado mas começava a funcionar muito tarde.



17.08.2010 – Hoje temos muitos quilómetros para andar. Arrancamos à 07.30 pois a ideia é fazer Bamako / Tambacounda. Só que a 40kms de Bamako tivemos que parar. O Toyota está com problemas na roda dianteira direita. A previsão é que os rolamentos “foram ao ar”. Precisávamos de um mecânico e decidimos voltar para trás, para Kati, uma povoação que tínhamos passado havia uns 15kms. Lá encontramos o “mecanaux” que logo disponibilizou um dos seus colaboradores e um ajudante para se debruçar sobre o Toy. Tira a roda, desmonta o cubo e lá estavam os rolamentos desfeitos e “fundidos” no eixo. A manhã ia caminhando para o meio-dia e quando abria o sol começava o calor. O mecânico esteve a dar “coça” de cinzel e martelo no que restava dos rolamentos debaixo de uma temperatura considerável durante umas duas horas – suava como uma caleira furada. Não havia meio. Propôs-se o uso de um maçarico mas não havia na oficina. Teve que ser “alugado” a outra “freguesia” mas lá apareceu. Depois de lhe dar com o maçarico toca a aplicar mais uma hora de cinzel e martelo. Estava a ver quando era o eixo que cedia. Finalmente lá começaram a sair as esferas e o aço do rolamento em bocados.





Mesmo ao nosso lado estava uma barraca que vendia peças para ciclomotores – as famosas KTM chinesas – que fazia um negócio dos diabos. Cederam um banco ao pessoal e o toldo abrigava-nos do sol. Depois de tudo bem limpo e lixado havia que ir a Bamako buscar rolamentos novos. A casa das peças parecia do outro século mas tinha material novo e usado para duas gerações. Material Toyota então não faltava. Aguardamos uma meia hora e lá apareceram as peças que necessitávamos. Ainda o sujeito não tinha acabado de dizer o preço já o “nosso” mecânico estava a reclamar dele. Parecia que estava a comprar as peças para ele. Vestiu a nossa camisola ou estava a ver se gastávamos o mínimo nas peças para nos poder carregar melhor na mão-de-obra. Volta para Kati com o material, coloca-lo no devido sítio, verificar e lubrificar os rolamentos da outra roda, discutir o preço e às 17h estávamos a arrancar com aquela sensação de que “o carro não está la muito bem”. Pagamos cerca de € 100, peças e mão-de-obra, e o carro ficou perfeito. Era só impressão. A ideia agora é fazer uns 300kms, chegar a Diema e pernoitar (vá lá saber-se onde). Nem de propósito, levanta-se uma tempestade tropical da época que nos haveria de acompanhar até ao dia seguinte.
Como não encontramos nenhum pardieiro para ficar, à frente de Diema uns quilómetros decidimos acampar logo à beira da estrada debaixo de umas árvores e protegidos por uns arbustos (como trovejava não gostei muito da ideia, mas a trovoada estava longe…). A nossa tenda de tejadilho que já há muito andava com a cobertura rota, tinha o interior molhado – não dava para dormir lá dentro. Restavam duas tendas – a do Diogo, single e a do Miguel, doble. Montar as tendas com aquela chuva e vento foi obra. O chão estava todo enlameado e as tendas ficaram quase suspensas entre vegetação e irregularidades do terreno. Parecia que iam vestir as tendas. Mal por mal, optei por dormir dentro do carro. Não foi muito cómodo mas foi uma noite espectacular de dorme e acorda onde assisti de bancada a uma tempestade tropical durante toda a noite e o nascer do dia. A paisagem era tremenda. Foi ao mesmo tempo hilariante e dantesco. A temperatura estava óptima. Ainda que adversa nestes momentos, sente-se prazer nesta convivência com a natureza. Foi mais um dia, desta, acrescido de mais adversidades que tivemos que ultrapassar.



18.08.2010 - De manhã estava um pouco “quebrado” mas logo passou. Lavamos os olhos, os dentes, enganamos os estômagos e seguimos viagem. África na época das chuvas é indescritível – é divina. As cores, os cheiros, as tormentas, as cubatas, os animais, a vegetação, as árvores, as nuvens, a temperatura óptima…
Hoje temos mais um grande desafio - entrar no Senegal e conseguir o famigerado “passavant”. Estávamos a 350Kms da fronteira do Mali (Diboli) com o Senegal (Kidira). Já conhecíamos a estrada e sabíamos que havia que ultrapassar os péssimos 80 kms de estrada entre Sandaré e Segala (onde o Peugeot quebrou o cárter) mas o pior mesmo era a expectativa da fronteira e seus “fardas”. À nossa frente um camião deixa cair um pneu da caixa de carga. Vá que não nos acertou. Atravessamos o Rio Senegal – estamos em Kayes – e 100Kms mais à frente estamos a sair do Mali depois das habituais demarches que à saída normalmente são mais agilizadas. Espera-nos a pertinente aduana senegalesa. Aliás, após os procedimentos das polícias senegalesas, estamos em território do Senegal livres para seguirmos para onde quisermos – claro que não vamos seguir sem o passavant das viaturas. Na ida tinha perguntado a uns “fardas” da aduana se não havia problemas de entrarmos com os carros no regresso ao que disseram não haver qualquer impedimento. Agora, na volta, estou a ver que, afinal, não era aquela a aduana e, por certo, não eram os mesmos guardas. A aduana ficava uns metros depois da polícia nacional. Vamos à luta…
Esqueci-me de referir que, numa de charme, vesti uma t-shirt com uns bacanos a dançar e com grande dizer - “SENEGAL”. A “comissão de boas vindas”, ou seja, um fardas no alpendre refastelado numa cadeira, entrou logo a matar: têm o CPD (Carnet de Passage an Duane). Bom, a coisa está complicada. Era andar para trás 400Kms, era fazer a Rota da Esperança com 50°, era não ir a Dakar… encaminhou-nos para o outro fardas que estava com uma “visita” – um muçulmano trajado com rigor étnico. Não temos CPD, queríamos conhecer a vossa bela capital, em Diama já nos deram um passavant para atravessarmos o V. pais rumo ao Mali (sabia lá ele a que preço…), adorávamos passar três dias no V. magnífico pais, blá, blá… a “visita” com um ar muito monástico sai para o exterior, o fardas 2 fala com o fardas 1 e faz-se luz – vão dar-nos um passavant para dois dias. Explicamos-lhes que para ir por Dakar precisávamos de três dias, pronto seja – um passavant de 72 horas, ou seja, até ao dia 21. Tempo suficiente para visitar Dakar e arredores e ainda passar mais uma noite em St. Louis. Há grandes fardas. Quando chegamos cá fora para nos despedirmos de tudo o que eram fardas, com o nosso sorriso orelha a orelha, estava a “visita” a benzê-los em plano islâmico. Afinal a “visita” era uma entidade religiosa. Tinha muita paz e serenidade no semblante. De certeza que foi ele que nos ajudou. Fiquei embasbacado. Não sabia como o cumprimentar. Não podia cumprimenta-lo como aos fardas. Pois seja, cumprimento de mão com meia vénia e ala não vão arrepender-se – é sempre esta a sensação com os fardas africanos quer sejam de fronteira, de embaixada, de trânsito. Mas não restam dúvidas: em Kidira é tudo muito mais simples que em Diema ou Rosso onde tudo envolve o papel do BE.



Vamos lá até à “Petit Côte & Siné – Saloum Delta” que dista uns 70Kms a sul de Dakar. Destino: Sali Portudal, uma praia turística tipo AfricanMed. Mas ainda faltam muito piso, ou seja, 900Kms. Embora tenhamos sido informados que a estrada de Tambacounda a Dakar já está um tapete há sempre que desconfiar das news por estas bandas.
Começamos a fazer quilómetros rodeados da densa vegetação da época. A estrada é óptima. Pouco trânsito. Asfalto sem buracos. Chegamos a Tambacounda e paramos logo à saída da cidade para trincar algo numa via de acesso a um estaleiro industrial vedado por rede e com uma porta também em rede e tubo. Não tinham passado cinco minutos quando reparamos que estava um sujeito eufórico a esbracejar do outro lado da rede a chamar-nos dando a ideia que não podia abrir a porta. Nós também respondemos com gestos a cumprimentar quando ele dá a volta à porta e passa por uma estreita passagem onde faltava rede e vêm na nossa direcção: “ Olá pessoal, são portugueses, não são? Viram ali a bandeira não foi?”. Apresentações, era o Hélder, o encarregado da empresa portuguesa MSF S.A. que tinha feito a estrada Tambacounda – Kaolack (Investimento CEE) e que íamos começar a percorrer. Conversamos um bom bocado: estava ali com a mulher e era actualmente o único português que lá estava. Ia ficar mais uns meses para garantir o bom estado da estrada que dizia estava um brinco, com reflectores, bem pintada e um tapete novinho que só visto. O que tinha ficado por fazer pois não estava na adjudicação eram uns 40 Kms entre Kaolack e Fatick que estavam muito esburacados. Era um homem de África. Já tinha estado em vários países africanos ao serviço da sua empresa, conhecia bem Dakar e arrabaldes, claro. Normalmente, nestas situações, contendem a vontade de partir com a de ficar a conversar e trocar ideias. Tchau, até um dia. Quem sabe um destes dias lês esta página, comunicamos e nos voltamos a ver. Só se for em África já que o Hélder não vê para prevê o seu regresso a Portugal: ganha bem e adora África.
Efectivamente a estrada estava magnífica. Caiu a noite mas os reflectores novos, a espelhar e a tinta, ainda muito branca, iluminavam a estrada que nem lampiões. O Patrol do Miguel que ainda se não tinha queixado de nada começa a dar sinal de água no gasóleo. Pelo caminho, volta e meia, tínhamos que parar para o purgar. Ainda assim, rapidamente chegamos a Kaolack e de seguida embrenhamos - nos na estrada cheia de crateras, buracos e autênticos regos – já íamos avisados mas não para tanto. Aproximamo-nos de Fatick onde existem umas salinas enormes.




É também uma zona pantanosa, de mangue, e nem queríamos acreditar no que víamos: os faróis do carro iluminavam nuvens e nuvens de insectos enormes e isto, seguramente, durante uns 10/15Kms. Foi um espectáculo único. Por certo, ninguém poderia andar nas redondezas senão respirava–os, engolia-os e por certo asfixiava. Os carros que iam à nossa frente pareciam que estavam em ensaios num túnel de vento - só que o vento era pejado de insectos que, pelo tamanho, logo apelidamos de pernilongos – mais tarde vimos eram libelinhas. Os nossos carros ficaram “barrados” de insectos. Era uma gosma só. Insectos em estado líquido e esborrachado. Quando parou o “tornado de insectos” tivemos que parar para deitar água nos vidros pois já não tínhamos líquido nos esguichos e a luz dos outros carros espelhava de tal forma no pára-brisas que não se via a um palmo. Os carros assustavam. Encostar nem pensar: era um nojo só.




Em Mbor viramos para Saly Portudal onde começa a “Côte d’Azur” senegalesa. A nossa pinta a chegar com os carros barrados de gosma de insecto… vá que era noite e época baixa. Bares, restaurantes, hotéis, pubs, discotecas e de tudo um pouco para o turista se divertir. Num aparthotel alugamos uma casa enorme, com piscina, por uma noite por CFA 70.000 APA.
Jantamos num restaurante todo tropicaliente, muito bem servido onde comemos e bebemos bem por bom preço. Amanhã vamos para a capital.




19.08.2010 Hoje vamos para Dakar mas já que estamos nestas bandas visitamos já o Lago Rosa. Passa por nós um UMM com matrícula senegalesa. Entramos na estrada para Thies à procura de mais um tesourinho. Fica perto de uma estação que foi de monitorização da NASA e agora pertence a fins privados – IntelSat. Pedimos para visitar, negativo.





Quanto ao geotesourinho outra nega – só lá estava a lata. Voltamos à estrada para Dakar – o trânsito está parado e nós ainda tão longe. Mudança de itinerário – o Lago Rosa fica para a volta – o trânsito está bloqueado portanto seguimos para Dakar. Passar Rufisque, um drama. Na estrada e nos passeios é um enxame de vendedores e prestadores de serviços – acabam de nos limpar o pára-brisas. Conseguiram remover toda a “pasta de libelinha” que revestia o vidro. Aproveito para passar as crónicas para o PC. Quando chegamos às imediações de Dakar não queria crer no que estava a ver – os acessos a Dakar agora estão magníficos. Auto-pista e viadutos resolveram o caótico acesso à urbe que demorava no mínimo duas horas. Os viadutos que há séculos estavam em construção já estão interligados. Onde anda toda a confusão de pastores, madeireiros, ferreiros, agricultores, chapeiros… Agora entra-se em Dakar em 2 x 4 vias de trânsito. Também foi a MSF que fez (ou terminou…) estes trabalhos. Demorou mas está de primeiro mundo. Quando saímos da via circundante estamos praticamente no centro.



Recomeça o trânsito mas fluido. Depois de deambularmos um pouco lá encontramos o que queríamos – o Instituto Francês sediado num magnífico edifício colonial e o seu delicioso restaurante “Le Bideew” onde pensamos almoçar. Paramos o carro num parque que tinha “carhandwash a balde”. Lá negociamos o preço para lavar o Toyota e o Nissan. Eles não viram nas que se meteram. Escapou-lhes a gosma de libelinha barrada nos carros. Entramos nos passeios e ruas de Dakar. A miséria extrema não escapa à visão. As ruas estão repletas de “famílias” que, bom de ver, vivem mesmo por ali.
Depois de almoço decidimos ir conhecer Cap Vert – a zona costeira a noroeste de Dakar e, quem sabe, ficar num dos hotéis da zona. Quando chegamos ao parque os carros ainda estavam a ser lavados. Lavados é favor. Os “empreiteiros” suavam por quantas tinham. Acho que só de espátula é que a limpeza ficava ok. Deram o trabalho por acabado com aquela cara de quem foi ludibriado. Os carros não estavam sujos. Estavam untados de pasta de libelinha.
Seguimos para Cap Vert sem antes passarmos pelo “Phare des Mamelles” que fica sobranceiro do “Cap Les Almadies” o mais ocidental de África, onde se encontra o Club Med de Dakar.



Atrás o imponente e magnânime monumento ao renascimento do espírito africano.





Fomos ao farol em busca de mais um geotesourinho que desta, pobrezinho (só tinha o “livro de ponto”), mas estava lá. O Miguel, que é um mãos largas, deixou lá um selo dos CTT – também não cabia muito mais no mini depósito.
Encontramos também vários admiradores de filmes 3D.



Passeamo-nos por Cap Vert que é também a zona do aeroporto internacional mas não ficamos clientes. Estava tudo em obras, muito mal amanhado e concluímos que cidade é no centro. Ficamos os quatro num apartamento das águas furtadas do Hotel Ganalé, que fica bastante central, por CFA 71.400 mais CFA 15.000 para os pequenos-almoços. Recomenda-se.
Fomos jantar ao “Le Bideew”, à noite com um ambiente ainda mais europeu. A comida é óptima e o preço, uma agradável surpresa. Depois andamos a digerir o jantar pela noite e bares de Dakar muito calmos aquela hora. Amanhã começamos a subir – é o regresso no verdadeiro sentido da palavra.

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